segunda-feira, 30 de janeiro de 2012

O Médico e a Mulher Infeliz: Capítulo 1



Capítulo 1

1944

 
Nas ruas de Porto Alegre, o tráfico ainda é incipiente, a venda vai muito além do ambulante e do corpo prostituído. Tudo ultrapassa as expectativas, menos a esperança. E a esperança de Rosaura é de que seu marido, o Dr. Abílio Albuquerque, um ginecologista às vésperas da aposentadoria, não descobrisse seu adultério com o seu assistente, um jovem chamado Leandro, ainda estudante de medicina às voltas com um estágio curricular. Um adultério que ainda nem acontecera, mas já tomava conta do seu desejo. Dr. Abílio chegou em casa, naquela quinta-feira, com uma calma que impressionava, uma lividez no rosto que só o desespero é capaz de proporcionar. Rosaura, mesmo sem ter um motivo confesso, estremeceu-se toda diante da possibilidade do marido ter descoberto seu desejo. Um calafrio pareceu congelar a vagina de Rosaura.

- O que houve? – perguntou ela, com uma voz seca e inexpressiva.

E ele balbuciou:

- Rosaura...

- Quê?

- Nada, nada...

Mas havia, sim, alguma coisa. Porém, Dr. Abílio resolveu ficar calado. Foi para o seu escritório e deixou sobre a escrivaninha uma pasta preta, a qual não podia se esquecer de levar ao consultório no dia seguinte. Sentou-se na cadeira e chorou de raiva, de impotência... Naquele momento, desejou muito poder fazer alguma coisa. Mas o que Dr. Abílio não sabia era que não teria tempo para mais nada em sua vida.


***


Um mês antes, quando a vida de Rosaura e Dr. Abílio estava mais estagnada na mesmice do que nunca, Rosaura acordou com um aperto no peito. Olhou-se no espelho. Tinha cinqüenta anos, mas de uma beleza que era capaz de destruir qualquer lar. Os cabelos ainda eram de seu castanho claro original, pouco abaixo dos ombros. A pele era lisa e macia, e o corpo, bem torneado, exalava um constante perfume floral. Mas o que impressionava, desde a sua juventude, eram as pernas. Lindas, estonteantes, mesmo quando não apareciam mais do que uma parte ínfima do tornozelo, ainda assim seduziam os marmanjos. Porém, mesmo diante do reflexo da própria beleza, a qual jamais seria contestada, Rosaura estava infeliz. O marido já não lhe procurava mais na cama, e toda a sua energia sexual estava recôndita por obrigação em algum canto de seu corpo. Era do tempo em que uma esposa jamais deveria procurar o esposo, então, passava os seus dias a esperar, esperar... por um ato que, talvez, não mais viesse. Dr. Abílio era quinze anos mais velho que a esposa, mas por ser médico e cuidar bem de sua saúde, também não aparentava ter a idade que tinha. Rosaura não entendia o motivo de tanto descaso, o marido sempre fora insaciável na cama. “Será que broxou?”, pensava ela, mas não, todas as manhãs, na hora de acordar, podia constatar que isso não acontecia...

Cansada de tentar desvendar o que acontecia com o marido, e já não suportando mais a sua autoclausura, Rosaura começou a sentir reações, provavelmente de fundo emocional. Tinha febres, tonturas, e certo dia, quando o Dr. Abílio chegava do trabalho acompanhado por um amigo do pôquer, Rosaura resolveu relatar o acontecido.

- Como você está? – perguntou Abílio.

- Não me sinto bem Abílio, tenho reações físicas. Pensei que fosse ter uma síncope, ou algo assim...

- Ora mulher, você devia ter me ligado, vamos agora para a clínica.

Rosaura fez uma pausa, detestava consultas, e disse:

- Não acho que seja necessário... Olha, eu tomo um chá, e logo fico boa marido, está bem?.

- Não.

- Mas já que insiste... preciso pegar minha bolsa, um minuto, sim? Oh, pegue minha bolsa e meu casaco preto, sim? – Disse ao criado – Suponho que esteja resfriada, apenas.

Mal acabou a frase Rosaura caiu desfalecida no tapete da sala, próximo ao seu piano. Desesperado, Abílio pegou a mulher nos braços e a levou ao seu consultório, onde um outro médico, seu colega na sociedade da clínica, atenderia a esposa. Durante o caminho Rosaura permaneceu inconsciente, mas perto da clínica acordou, meio perdida. Atordoado e hirto de pavor, Dr. Abílio chamou Leandro Vieira, que havia começado um estágio curricular em sua clínica naquele dia. Leandro pegou uma cadeira de rodas, e enquanto acomodava a mulher, não pôde deixar de sentir um arrepio de desejo, mas naquele momento tão ínfimo que nem o identificou como tal. Dr. Abílio foi na frente para avisar o colega, e Leandro ficou sozinho com Rosaura. Só então reparou que sentia desejo por aquela mulher acometida de uma moléstia ainda desconhecida. Seus olhos entreabertos, a boca querendo dizer alguma coisa, os tornozelos... Leandro não soube precisar, mais tarde, quanto tempo durou aquele encanto, mas pareceu um século. Então, chegou na sala do Dr. Alberto Pontes, o clínico geral. Eles colocaram a mulher na maca e fizeram uma série de exames. Apesar de estar acostumado com a rotina, Dr. Abílio estava extremamente nervoso, quase não podia conter o nervosismo. Só pensava na saúde da esposa.

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